Ao todo, 95 comunitários participam dos cursos ofertados pela MRN, e destes, 80% são mulheres
Sob o verde da Floresta Nacional Saracá-Taquera, no município de Oriximiná, no oeste do Pará, cascas de taperebá, cupuaçu, ouriço de castanha e sementes de açaí são exemplos de matérias orgânicas fundamentais para a qualidade do solo amazônico. Mas, nas mãos habilidosas dos 95 artesãos do Projeto de Educação Ambiental e Patrimonial (PEAP), essas mesmas matérias ganham outros significados. A iniciativa faz parte do Programa de Educação Socioambiental (PES), da Mineração Rio do Norte (MRN), que oferta, por meio do Projeto PEAP, um processo educativo com capacitações continuadas viabilizadas em cursos, oficinas e assessoria técnica nos eixos de biojoias e de artesanato em cerâmica.
“É uma terapia”, define a artesã Cléia dos Santos. Da comunidade Último Quilombo, ela participa do curso de biojoias desde 2002. A cada nova turma, os aprendizados constantes têm aprimorado as peças produzidas pelos artesões. “Nós vendemos nas comunidades e aproveitamos as feiras que são realizadas em Porto Trombetas. Quando não, batemos nas portas, deixamos nos barcos e, assim vamos comercializando,” relata a comunitária de 63 anos, que planeja deixar os aprendizados para seus sucessores. “Eu pretendo passar de geração para geração. Eu acredito que é a maior riqueza que eu posso deixar para meus filhos e netos”, garante.
Na comunidade Jamari, do território quilombola Alto Trombetas II, do mesmo solo onde os vegetais colhidos são reinventados, provém a argila, que nas mãos da agricultora Edneuza Fernandes, de 44 anos, ganha forma de utensílios para o lar, como panelas e jarros. Participando da formação de artesanato em cerâmica pela primeira vez, a comunitária se diz ansiosa pelos próximos encontros. “Tem sido uma experiência muito boa. Apesar de eu estar começando, estou gostando muito”, relata. Satisfação compartilhada pela Mariene de Jesus. Líder da comunidade, ela acompanha o projeto há três anos e almeja empreender com a produção de cerâmicas. Mas ela sabe que, para isso, é necessário acompanhar as mudanças. “O rendimento nunca vem logo de cara. Você primeiro tem que aprender e, depois de muito trabalho e aprendizado, é que vemos o resultado”.
Depois da colheita, o semeio
Se no dia a dia do PEAP é necessário ir até a floresta coletar a matéria-prima, é na vida das comunitárias que há futuros sendo semeados. Do Último Quilombo, a estudante Laurinele Figueira participa do curso de biojoias desde o ano passado, a convite de uma tia. “No começo eu achei bem difícil”, lembra a jovem que, aos 17 anos, tem produzido diferentes adornos, como colares e brincos. A meta agora é poder contribuir para a formação de outras pessoas. “Muitos ainda não sabem e, se eu sei, posso levar isso para dentro da minha comunidade”.
Outro exemplo de quem também abraçou a iniciativa é a jovem Renata Cordeiro. Moradora do Jamari, ela tem 23 anos de idade e atua com a produção de peças de cerâmica, mas sempre retorna à formação em busca de novidades. “Estou aprendendo o que eu não sabia e o professor traz isso para nós. É uma boa oportunidade não só de conhecimento, mas de uma renda extra se o aluno continuar”, ressalta.
Respeito aos saberes
A produção de peças em cerâmica faz parte da cultura de boa parte das comunidades tradicionais. Por isso, o instrutor Del Almeida destaca que cada conhecimento é valorizado durante as formações. “O que nós passamos são as técnicas, porque muitos chegam com certa habilidade, mas são necessários alguns alinhamentos para que essa peça saia o mais perfeita possível, com uma qualidade maior para competir no mercado”, explica o instrutor, que também lembra o papel do PEAP na valorização cultural. “Além de estimular o que eles têm feito, agrega valor ao patrimônio cultural presente na região”.
Instrutora do curso de biojoias, a designer Lídia Abrahim pontua que as potencialidades de cada aluno são sempre observadas, o que torna necessária a abordagem do ‘saber fazer’ no empreendedorismo. “Cada aula é pensada para que os alunos também sejam estimulados a criar”, conta. Lídia cita ainda que o feedback dos alunos tem sido cada vez mais positivo, uma vez que os comunitários seguem produzindo mesmo durante as pausas nas formações. “Eu fico muito emocionada quando os alunos me contactam, enviando fotos das vendas, participando de feiras, mostrando que estão tendo um retorno financeiro e que estão felizes por isso. São formas de visualizar os objetivos do projeto sendo alcançados”, relata.
PEAP
O Projeto de Educação Ambiental e Patrimonial nasceu em 2001, fruto de uma pesquisa arqueológica desenvolvida, na época, pelo Museu Paraense Emílio Goeldi (MEPG) em Oriximiná. Desde 2010, passou a integrar o Programa de Educação Socioambiental da MRN e hoje é realizado pela empresa Biota, alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Organização das Nações Unidas (ONU). Os eixos Biojoias e Cerâmica são realizados em comunidades quilombolas do território Alto Trombetas II, reunindo um total de 76 mulheres e 19 homens, o que reforça o fomento ao empreendedorismo feminino da região.
A missão da iniciativa é promover o resgate, conservação e valorização do patrimônio ambiental, cultural e arqueológico junto às comunidades da área de influência da MRN, fomentando o fortalecimento da identidade e da organização comunitária por meio do reconhecimento da história local e aprendizagem de técnicas e práticas que fazem parte da cultura quilombola, além de proporcionar uma alternativa para geração de renda.
“As atividades são divididas em módulos no decorrer do ano. Nós entramos em contato com os líderes das comunidades para fazermos a mobilização dos alunos e dois especialistas ministram as aulas. Nós temos buscado que os comunitários participem cada vez mais e, assim, possam aproveitar os bons resultados do projeto”, explica o consultor da iniciativa, o biólogo Murilo Pimenta.
Suspensas entre os anos de 2020 e 2021, ações do PEAP retornaram em 2022. A analista de Relações Comunitárias da MRN, Genilda Cunha, ressalta a importância do projeto que busca o desenvolvimento a partir da perspectiva da sustentabilidade. “O comunitário aprende a enxergar a floresta com um olhar diferenciado e a perceber o que ele pode trazer de riqueza dela, sem causar nenhum dano ao meio ambiente. Você reaproveita um bem natural, agregando identidade a ele. O que para muitos seria inútil, você cria uma utilidade e agrega valor. É um projeto que tem todo um respeito com a cultura local, mas, acima de tudo, com o meio ambiente”.